sexta-feira, 29 de maio de 2009

Alexandra


Tomei conhecimento do caso desta menina só alguns dias depois dela ter sido enviada para a Rússia. Dilacerou-me a alma ver aquelas imagens da menina aos gritos e em prantos a ser arrancada à força daquela que ela conhece por família, o sofrimento dela, o sofrimento da família, o sofrimento. Como é que se pode fazer isto a uma criança? Porque é que a criança não pode ter uma palavra a dizer? É óbvio que o desejo da criança era ficar onde estava. Como é que fica a justiça portuguesa depois de extraditar a criança, porque é disso que se trata. Esta coisa da prevalência absoluta dos laços de sangue ultrapassa-me, é certo que não devem ser desprezados, mas esta noção medieval de ver as crianças como objecto propriedade de quem as pariu é anacrónica e muitas das vezes não coincide com o tão apregoado superior interesse da criança e é claro que este é um desses casos. Se calhar estaríamos todos mais descansadinhos se a situação fosse outra, ou seja, se a criança fosse para o seio de uma família estruturada, pai, mãe, irmãos, avós etc, se tivesse condições semelhantes aquelas que estava habituada, se se visse um amor desmesurado da parte da mãe e restantes parentes, estaríamos mais descansados mas mesmo assim não deixava de ser violento para a criança. Estas mudanças radicais de país, língua, ambiente, comida, clima, escola, amigos são sempre dolorosas mesmo na companhia da família, quanto mais nesta situação em que a criança é extraditada para junto de gente que não conhece, para uma língua que não conhece afastada das pessoas que ela entende por família e a quem ela chamava pai e mãe. Não se valorizaram os laços relacionais da menina, o juiz ou colectivo, sei lá como é que eles decidem, nunca pensaram nela, no seu sofrimento, trataram-na como uma coisa, condenaram-na, era a vitima e foi condenada, e agora diz-se chocado com os cascudos que a viu levar da mãe na televisão, pois também eu fiquei chocada e 99% da população também, mas já estávamos chocados antes com a sentença dele, e ainda diz que se calhar julgou mal os pais adoptivos, e se calhar também se excedeu na linguagem do acórdão ao falar na ânsia de uma maternidade serôdia por parte de Florinda. Nem que fosse verdade, ansiar por uma maternidade serôdia, pelos vistos, é aos olhos deste juiz um crime maior que abandonar a criança, negligenciá-la, ser alcoólica, etc.

Se queriam que a criança se relacionasse com a mãe, o que, evidentemente eu não discordo, porque é que em vez de a mandar embora não a obrigaram a ficar em Portugal durante um determinado período de tempo para haver uma adaptação dela à filha e para ela aprender russo, havendo um contacto periódico com as pessoas que a criaram. Porque é que a obrigaram a esta separação abrupta, a esta violência. Dão-se pensões e rendimentos mínimos a tanta gente, porque que é que não se deu a esta mãe para ficar cá pelo bem da filha? É mais simples lavar as mãos.

Tenho vergonha do meu país, desta justiça em que os cidadãos não acreditam, que favorece o prevaricador e penaliza o inocente, que não contempla a criança e a trata como coisa, que condenou esta criança a um futuro triste tanto emocional como social, como é que ela vai iniciar uma vida escolar numa língua que não conhece?

A mãe abandonou-a e ganhou na justiça. A menina perdeu duas vezes, a mãe biológica que a abandonou e com quem não criou laços, a família que conheceu e de quem a arrancaram, e vai continuar a perder porque não há nada a fazer por ela, é russa e está na Rússia, ninguém vai poder mudar o que aconteceu ou remediar o mal. Resta ter esperança que a mãe a ame de verdade e opte pela felicidade da filha, mas nem sei se mesmo que ela quisesse poderia reverter a situação. Tenho um filho de 6 anos, sei como sentem, sei o que sabem, sei o que os assusta, para esta menina os maus ganharam e o papão veio mesmo.

Porcaria de país e porcaria de pais que mesmo depois de abandonarem os filhos continuam a prejudicá-los, pobre criança.

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